Gestão Condominial Eficiente - Fábio Barletta
Advogado atuante desde 1999, com larga experiência no Direito Condominial. Palestrante e autor de diversos artigos publicados nos mais variados canais e revistas especializadas. Autor do livro Gestão Condominial Eficiente, editora Lumen Juris. Sócio do Grupo B&O.
Patrimônio do proprietário pode ser afetado por dívida do condomínio
Você sabia que sua unidade privativa, seja seu apartamento ou sua sala comercial, pode ser penhorado para quitação de débitos do condomínio?
Pois é, pode!! E a pergunta que se faz é a seguinte: depois de conhecer essa possibilidade você vai querer que seu condomínio continue sendo administrado com amadorismo?
Então, cuidado: seu patrimônio corre risco!! Entenda porquê!
Quando falamos em inadimplência nos condomínios o enfoque é sempre o mesmo: os condôminos como devedores das taxas condominiais. Esquecemos, contudo, que o próprio condomínio também pode ser detentor de dívidas, seja em decorrência de compras ou prestações de serviços não quitadas, seja em virtude de condenações judiciais que lhe foram impostas.
Nesse cenário, quem deve se responsabilizar pelo pagamento?
Essa discussão, por vezes, esquecida, voltou a tona com o recente julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça do Resp 1.473.484, onde restou decidido que o morador pode ter seu bem penhorado para o condomínio pagar suas dívidas com terceiros.
Mas a questão, apesar de revivida nesse momento, não é nova.
Quando o assunto são as dívidas condominiais, temos que, num primeiro momento, é o próprio condomínio quem deve ser responsabilizado, podendo ter penhorado judicialmente, inclusive, suas receitas.
Contudo, o que muitos não sabem, é que, esgotadas as possibilidades de satisfação do crédito junto ao condomínio e, sendo indispensável a medida, o patrimônio dos condôminos pode ser atingido, mediante o redirecionamento da execução e independentemente do procedimento de desconsideração da personalidade jurídica.
Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO CONTRA CONDOMÍNIO EDILÍCIO. REDIRECIONAMENTO CONTRA OS CONDÔMINOS. POSSIBILIDADE EM TESE. DOUTRINA. PRECEDENTE. CASO CONCRETO. PENHORA DE CRÉDITOS. OPÇÃO PELA MEDIDA MENOS GRAVOSA. 1.Controvérsia acerca da possibilidade de redirecionamento contra os condôminos de uma execução ajuizada por credor do condomínio horizontal. 2.Distinção entre condomínio horizontal e pessoa jurídica. Voto divergente no tópico de um dos integrantes da Terceira Turma. 3.Desnecessidade de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica aos condomínios. 4.Possibilidade de redirecionamento da execução em relação aos condôminos após esgotadas as tentativas de constrição de bens do condomínio, em respeito ao princípio da menor onerosidade para o devedor. (...) (stj, Terceira Turma, Resp 1.486.478, Rel. Min Paulo de Tarso Sanseverino)
PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. CONDOMÍNIO CONDENADO. PENHORA DE BENS DE CONDÔMINOS. POSSIBILIDADE. - O CONDÔMINO, EM FACE DA OBRIGAÇÃO 'PROPTER REM', PODE TER SUA UNIDADE PENHORADA PARA SATISFAZER EXECUÇÃO MOVIDA CONTRA O CONDOMÍNIO. - OS CONDÔMINOS SUPORTAM, NA PROPRIEDADE HORIZONTAL, E NA PROPORÇÃO DA RESPECTIVA QUOTA-PARTE, AS CONSEQUÊNCIAS DECORRENTES DE OBRIGAÇÕES DO CONDOMÍNIO INADIMPLENTE. (REsp 1.654⁄RJ, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 11⁄12⁄1989, DJ 05⁄03⁄1990)
A inclusão dos condôminos no polo passivo é, sem sobra de dúvidas, uma medida excepcional, porém possível e, por essa razão, se mostra extremamente relevante a participação coletiva na fiscalização dos atos praticados pelo síndico.
E por que tal situação ocorre?
A discussão acerca do redirecionamento da execução passa pela análise da tormentosa questão envolvendo a personalidade jurídica dos condomínios edilícios, cujo entendimento majoritário é por considera-lo um ente despersonalizado.
Nessa linha de entendimento e, como consequência lógica desse posicionamento, temos que o condomínio não é dotado de autonomia patrimonial e, por essa razão, as obrigações por ele contraídas vinculam e obrigam as todos os condôminos.
Mas, cabe reafirmar que o condomínio é quem deve ser, inicialmente, instado a saldar o débito, porquanto detentor de capacidade processual. Caso seu patrimônio se mostre insuficiente, os condôminos deverão ser convocados a saldar o débito mediante contribuições extras. Em última hipótese, se ainda restar frustrada a execução, os condôminos podem ter penhorados, na proporção de suas quotas, suas unidades privadas, para quitação do débito condominial.
Percebam que, apesar da situação ora comentada ser excepcional, é de uma gravidade ímpar, e com repercussões gravíssimas para a coletividade condominial. Nem mesmo a alegação de se tratar aquele imóvel de bem de família ou que as dívidas condominiais foram contraídas antes da aquisição da unidade autônoma isentarão o condômino da responsabilidade.
Eis o que decidiu recentemente o Superior Tribunal de Justiça no Resp 1473484:
A natureza da obrigação propter rem das dívidas condominiais pode justificar o redirecionamento de uma execução contra o condomínio para os proprietários das unidades, mesmo no caso de o imóvel ter sido adquirido em momento posterior à sentença que reconheceu o débito e ainda que se trate de bem de família.
Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o recurso de um condômino e manteve a penhora de seu imóvel como forma de assegurar o pagamento de uma dívida condominial, no limite de sua fração ideal. A sentença judicial havia obrigado o condomínio a indenizar uma pessoa que ficou inválida depois de ser atingida por um pedaço do revestimento da fachada que despencou devido à má conservação do prédio.
Inicialmente, houve penhora de 20% do valor das cotas condominiais, e após o condomínio suspender a retenção dos valores, o exequente pleiteou o redirecionamento contra os condôminos.
No STJ, um dos condôminos alegou que não poderia ser responsabilizado pela dívida, já que adquiriu o apartamento em momento posterior à sentença prolatada contra o condomínio, e sustentou que a penhora não poderia recair sobre sua propriedade por ser o único imóvel da família, protegido pela Lei 8.009/90.
Propter rem
Segundo o relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, não é possível isentar o recorrente da obrigação com a alegação de que o imóvel foi adquirido em momento posterior à dívida. Ele explicou que a dívida condominial é uma obrigação propter rem, ou seja, de quem detém os direitos sobre o imóvel.
“De fato, sobre o tema muitas vezes debatido pelas turmas de direito privado – legitimidade para responder por dívidas condominiais pretéritas, quando ocorre alteração da titularidade do imóvel –, há muito se consolidou, com apoio nos dispositivos do Código Civil, que se trata de obrigação propter rem, por isso responde pela contribuição de pagar as cotas condominiais, na proporção de sua fração ideal, aquele que possui a unidade e que, efetivamente, exerce os direitos e obrigações de condômino”, afirmou o ministro.
Bem de família
Salomão rejeitou o argumento de que o imóvel não poderia ser penhorado por ser o único bem da família. Ele ressaltou que seria contraditório aplicar a regra de impenhorabilidade em situação na qual a natureza propter rem da dívida fundamentou o redirecionamento da execução, refletindo exatamente a hipótese de exceção à norma de impenhorabilidade.
“Em função do caráter solidário das despesas de condomínio, a execução desse valor pode recair sobre o próprio imóvel, sendo possível o afastamento da proteção dada ao bem de família, como forma de impedir o enriquecimento sem causa do condômino inadimplente em detrimento dos demais”, justificou.
O ministro explicou que, uma vez reconhecida a responsabilidade do condômino pela dívida exequenda e fundamentada a responsabilidade na teoria das obrigações propter rem, sendo essa, exatamente, a regra que excepciona a impenhorabilidade, “outra não pode ser a conclusão, que não a possibilidade da penhora”.
Ele ressalvou, porém, que o reconhecimento dessa possibilidade “não significa que a execução tenha que obrigatoriamente atingir o imóvel”. Sempre que possível, disse, “outros modos de satisfação devem ser preferidos, em homenagem ao princípio da menor onerosidade para o executado”.
Salomão lembrou que, no caso dos autos, o recorrente não apontou outra forma para o pagamento da dívida, limitando-se a negar sua responsabilidade pela dívida.
* Fábio Barletta Gomes é advogado especialista em Direito Condominial. Sócio da Barletta & Oliveira Advogados Associados e da B&O Assessoria Condominial e Síndicos Profissionais. Autor do livro Gestão Condominial Eficiente e de diversos artigos publicados em canais e revistas especializadas. Diretor Executivo do Papo Condominial Belo Horizonte.